sábado, 10 de outubro de 2009

É difícil se livrar de um fantasma


"Solaris é a história de Kelvin, um psicólogo que é enviado em um foguete para uma espaçonave em órbita de Solaris, um planeta recém descoberto. Há relatos de coisas estranhas ocorrendo na espaçonave. Todos os cientistas estão enlouquecendo, e então Kelvin descobre o que está acontecendo. Este planeta tem a habilidade mágica de realizar diretamente nossos mais profundos traumas, sonhos, medos e desejos. O lado mais profundo de nossa intimidade. O herói do filme encontra em certa manhã sua falecida esposa, que se suicidara anos antes. Então ele realiza não tanto seu desejo, mas seu sentimento de culpa. Quando o herói é confrontado com esse tipo de clone espectral, de sua esposa morta, apesar de ele aparentar ser profundamente acolhedor, sensível, reflexivo, etc., seu problema é basicamente como se livrar dela. O que torna Solaris tão tocante é que, ao menos potencialmente, o filme nos confronta com essa posição subjetiva trágica da mulher, sua esposa, que sabe que não tem consistência, que não possui um ser completo. Por exemplo, ela tem lapsos de memória porque ela sabe apenas o que ele sabe que ela sabe. Ela é apenas seu sonho realizado. E seu verdadeiro amor por ele é expresso em suas tentativas desesperadas de se eliminar, bebendo veneno ou sei lá o quê, só para deixar o terreno livre, porque ela supõe que ele queira isso. É relativamente fácil se livrar de uma pessoa real. Pode-se abandoná-la, matá-la, etc.Mas de um fantasma, de uma presença espectral, é muito mais difícil se livrar. Ele se fixa em você como uma presença sombria. O que temos aqui é a mitologia masculina mais básica. Esta ideia de que uma mulher não existe por si mesma. Que uma mulher é simplesmente um sonho masculino realizado, ou mesmo, como dizem os anti-feministas radicais, a culpa masculina realizada. A mulher existe porque o desejo masculino tornou-se impuro. Se um homem purifica seu desejo, livra-se do material sujo, de suas fantasias, a mulher deixa de existir. Ao final do filme, assistimos a um tipo de comunhão sagrada, uma reconciliação dele, não com sua esposa, mas com seu pai".

(The pervert´s guide to cinema, Slavoj Žižek)

Um comentário:

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